Menções em um poema árabe dedicado ao sultão Saladino, contém informações sobre a SN 1181!
- marcocenturion
- 26 de set.
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Atualizado: 17 de out.
Um poema do século XII, dedicado a Saladino, e uma crônica do século XV contêm novos testemunhos independentes sobre as explosões de estrelas em 1006 e 1181, que são cruciais para a astrofísica atual.
Por New Science.ru
Traduzido e adaptado por Marco Centurion
Na era anterior aos telescópios, o aparecimento de uma nova estrela no céu noturno era um evento perturbador e carregado de significado. Hoje, esses mesmos registros históricos, meticulosamente anotados por cronistas e poetas, tornaram-se elementos-chave para que astrônomos contemporâneos decifrem a natureza de explosões estelares ocorridas séculos atrás.

Uma pesquisa recente, publicada na revista Astronomische Nachrichten, encontrou dois novos testemunhos em língua árabe, provenientes do Cairo no Egito, que documentam dois desses fenômenos, as supernovas dos anos de 1181 e 1006, e fornecem dados independentes e muito valiosos para identificar os remanescentes que essas explosões colossais deixaram no espaço.
Uma supernova é uma explosão extremamente brilhante de uma estrela no final de seu ciclo estelar. Para os astrofísicos, saber a data exata de uma dessas explosões é como ter uma marca temporal precisa. Enquanto o cálculo da idade dos remanescentes de supernova por métodos puramente astrofísicos traz consigo uma margem de erro de milhares de anos, os registros históricos permitem datar a explosão com precisão de alguns dias. Isso permite estudar a evolução desses remanescentes com rigor inigualável.
Até agora, as principais fontes de informação sobre supernovas anteriores ao telescópio eram as cortes astronômicas da China, do Japão e, em menor escala, da Europa e da Coreia do Sul. A descoberta de observações do mundo árabe expande significativamente essa perspectiva. Como observado no estudo, quaisquer relatos adicionais de outras culturas podem ser muito relevantes.
SN 1181: Um Mistério ainda por decifrar
A supernova de 1181 (SN 1181) permanece um mistério para os astrônomos. Pelas fontes chinesas e japonesas, sabe-se que uma "estrela visitante" foi visível por aproximadamente seis meses, de agosto de 1181 a fevereiro de 1182, próximo à região do polo norte celeste. No entanto, seus remanescentes, ou seja, os vestígios de sua explosão, não foram identificados.
Durante muito tempo, o conhecido remanescente 3C58, um pulsar na constelação de Cassiopeia foi proposto, mas sua idade presumida, de cerca de 3000 a 5000 anos, excede em muito os séculos decorridos desde 1181. Recentemente, uma estrela incomum, a IRAS 00500+6713, e a nebulosa que a circunda, e Pa-30, têm atraído atenção cuja idade de expansão, de cerca de 1000 anos, realmente corresponderia à explosão de 1181, se ela não tivesse sofrido aceleração ou desaceleração. O debate sobre a localização exata do remanescente ressalta a necessidade de se obter mais dados históricos.
É aqui que a nova descoberta entra em cena. Uma equipe de pesquisadores alemães e italianos, liderada por J. G. Fischer, encontrou a primeira menção árabe à SN 1181 em um poema dedicado ao sultão Saladino, escrito pelo poeta e funcionário egípcio Ibn Sanā' al-Mulk.
O Poeta, o Sultão e a Nova Estrela
Ibn Sanā' al-Mulk, nascido no Cairo por volta de 1155, era um secretário respeitado na administração de Saladino. Em seu poema, escrito na forma de uma casida, um longo poema com métrica e rimas únicas, ele usa o aparecimento da nova estrela como um símbolo astrológico para celebrar o poder do sultão, uma prática comum na época.

A chave para a descoberta foi uma nova datação do poema. Os pesquisadores estabeleceram que o poema foi escrito e recitado no círculo próximo a Saladino entre dezembro de 1181 e maio de 1182. Essa datação baseia-se em duas pistas históricas contidas no próprio texto, que são a menção conjunta de Saladino e de seu irmão, Al-Ádil, que estavam no Egito naquele período, e uma alusão a um ataque fracassado dos cruzados à região do Hejaz, onde hoje é o território da Arábia Saudita, que ocorreu em dezembro de 1181.
O poema, cuja edição crítica e tradução anotada para o inglês são apresentadas no estudo, contém informações astronômicas importantes. Abaixo estão as conclusões mais importantes feitas com base em uma análise linha por linha:
Natureza do objeto: O texto menciona repetidamente o fenômeno usando a palavra árabe najm (نجم), que significa "estrela". Este termo era usado para designar objetos celestes fixos, em contraste com outros que poderiam denotar cometas. O estudo observa que o poema árabe fala explicitamente de uma estrela, usando o termo najm várias vezes, e não há evidências de movimento ou expansão. Isso exclui a possibilidade de ter sido um cometa e a identifica como um objeto transitório do tipo estelar, uma supernova ou uma nova.
Posição no céu: No poema, a nova estrela está localizada na constelação árabe de al-Kaff al-Khadīb ("A Mão tingida com hena"), identificada com as cinco estrelas mais brilhantes da constelação de Cassiopeia (α, β, γ, δ e ζ Cas). Esta localização no céu norte coincide totalmente com as descrições das fontes orientais.
Brilho: Uma das informações mais valiosas é seu brilho. O poema diz: "A mão tingida antes estava sem adornos, mas quando o tempo foi adornado por ti, ela vestiu um anel". Os pesquisadores interpretam essa metáfora como uma indicação de que a nova estrela era mais brilhante do que as estrelas que formam a "mão", ou seja, mais brilhante que a estrela Schedar, a α Cassiopeiae que tem magnitude 2,25 (lembrando que quanto menor o valor numérico da magnitude, maior o brilho do astro em questão). O texto também pode sugerir uma comparação indireta com a brilhante estrela Arcturus, que possui magnitude absoluta 0.16, significando que o brilho máximo da supernova estava em torno da magnitude 0,0 tornando-a bem visível.
O estudo conclui que:
“Vários critérios de supernova [...] correspondem apenas ao poema árabe, em particular, a baixa latitude galáctica, posicionado na constelação de Cassiopeia, e, muito provavelmente, a estacionariedade como uma estrela verdadeira sem expansão angular (árabe: najm)".
O fato de o poema ter sido recitado para uma plateia, incluindo o próprio Saladino, sugere que o fenômeno era conhecido e discutido na época. O texto chega a mencionar que essa estrela deixou perplexos tanto astrônomos quanto astrólogos, indicando seu caráter incomum e notável.
SN 1006: Um Novo Testemunho da Crônica de Al-Maqrīzī
O estudo também apresenta um novo relato em árabe sobre a supernova de 1006 (SN 1006), considerada a explosão estelar mais brilhante já relatada na Terra. Este testemunho encontra-se na crônica do historiador egípcio do século XV, Al-Maqrīzī, que, por sua vez, provavelmente baseou seu relato na obra do cronista contemporâneo ao evento, Al-Musabbihi (977 - 1029).
Al-Maqrīzī descreve ainda o aparecimento de uma "estrela com cauda", que brilhava como a Lua, cuja luz aumentava e diminuía paralelamente à sorte de um rebelde chamado Abu Rakwa, que se levantou contra o califa fatímida, um califado xiita ismaelita que reinou no Norte da África (909 - 1048) e no Egito (969 - 1171) e que se estendia do Mar Vermelho ao Atlântico. O objeto foi visível por vários meses, antes de desaparecer. Embora o texto use a expressão "estrela com cauda", os pesquisadores esclarecem que isso era comum para qualquer fenômeno transitório brilhante e poderia ser causado por efeitos de cintilação atmosférica, fenômeno também chamado de tremulação. O importante é que a descrição confirma aspectos já conhecidos sobre a SN 1006, como seu brilho excepcional, comparável a lua do luar, em que a sua curva de luz, com ascensão e subsequente declínio, além de sua longa duração.
Esta descoberta acrescenta mais uma fonte egípcia aos testemunhos oculares já conhecidos, como a descrição do médico Ali ibn Ridwan, também do Cairo, e do filósofo Ibn Sina (Avicena) da Pérsia.
A descoberta desses dois textos árabes representa uma contribuição significativa para a história da astronomia. O poema de Ibn Sanā' al-Mulk, de acordo com o estudo, é o primeiro texto árabe identificado sobre a supernova/nova de 1181. Ele fornece informações independentes, cruciais e extremamente importantes que confirmam a natureza de supernova do evento de 1181 e ajudam a refinar sua posição no céu, com dados fundamentais para investigar melhor se seu remanescente é a nebulosa Pa-30 ou algum outro objeto ainda não confirmado.
Os pesquisadores esperam que esta descoberta estimule a busca por outros textos árabes e persas daquele período que possam conter detalhes adicionais. Como os autores concluem, apesar das incertezas inerentes à interpretação de poemas, neste caso, os detalhes realistas da descrição, os termos técnicos utilizados, os debates entre especialistas, o fato da recitação perante Saladino e o autor provavelmente ter sido testemunha ocular do evento transitório incomum, então tudo isso mostra que estamos lidando com uma verdadeira nova estrela.
Artigo encontrado no site da agência de divulgação científica russa New-science.ru (originalmente publicado em 24/09/2025)
Link para acesso ao original: https://new-science.ru/astronomy-obnaruzhili-neozhidannye-i-poka-neobyasnimye-yavleniya-v-atmosfere-saturna/




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