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O que, exatamente, é o Espaço-Tempo?

Atualizado: 9 de out.

Poucas ideias na ciência moderna remodelaram nossa compreensão da realidade de forma tão profunda quanto o Espaço-Tempo, ou seja, o tecido interligado de espaço e tempo que está no coração da teoria da relatividade de Albert Einstein.


Por Daryl Janzen, The Conversation

Editado por Gaby Clark, revisado por Andrew Zinin

Traduzido e adaptado por Marco Centurion


Registro da Constelação do Cruzeiro do Sul, com detalhe para a passagem de um satélite artificial no centro do quadro (Créditos da imagem: Marco Centurion)
Registro da Constelação do Cruzeiro do Sul, com detalhe para a passagem de um satélite artificial no centro do quadro (Créditos da imagem: Marco Centurion)

O espaço-tempo é frequentemente descrito como o “tecido da realidade”. Em alguns relatos, esse tecido é referido como um “universo em bloco” fixo e quadridimensional, um mapa completo de todos os eventos, passados, presentes e futuros. Em outros, é um campo dinâmico que se curva e se deforma em resposta à gravidade. Mas o que realmente significa dizer que o espaço-tempo existe? Que tipo de coisa ele é? Qual a sua estrutura, substância ou metáfora?


O coração da física moderna


Essas perguntas não são apenas filosóficas. Elas estão no cerne de como interpretamos a física moderna e moldam silenciosamente tudo que existe, desde como entendemos a relatividade geral até como imaginamos a viagem no tempo, os multiversos e nossas origens.


Essas questões influenciam o surgimento do próprio Espaço-Tempo e propostas radicais que o tratam como a memória do universo. E, no entanto, a linguagem que usamos para descrever o Espaço-Tempo é frequentemente vaga, metafórica e profundamente inconsistente.

O filósofo austro-britânico Ludwig Wittgenstein disse certa vez que “a linguagem sai de férias”. A física, ao que parece, pode ser um exemplo perfeito disso.


Ao longo do último século, palavras familiares como “tempo”, “existir” e “atemporal” foram reutilizadas em contextos técnicos sem examinar a bagagem que carregam da fala cotidiana.Isso levou a uma confusão generalizada sobre o que esses termos realmente significam.


O problema da linguagem


Na filosofia da física, particularmente em uma visão conhecida como eternalismo, a palavra “atemporal” é usada de forma literal. Eternalismo é a ideia de que o tempo não flui nem passa, mas que todos os eventos, em todo o tempo, são igualmente reais dentro de uma estrutura quadridimensional conhecida como “universo em bloco”.


De acordo com essa visão, toda a história do universo já está disposta, atemporalmente, na estrutura do Espaço-Tempo. Nesse contexto, “atemporal” significa que o universo em si não perdura nem se desenrola em nenhum sentido real. Não existe um se tornar. Não há mudança. Há apenas um bloco, e toda a eternidade existe de forma atemporal dentro dele.


Mas isso leva a um problema mais profundo. Se tudo o que acontece ao longo da eternidade é igualmente real, e todos os eventos já estão lá, o que de fato significa dizer que o Espaço-Tempo existe?


Um elefante na sala


Há uma diferença estrutural entre os conceitos de existência e ocorrência. Uma é um modo de ser; a outra, de acontecer.


Imagine que há um elefante parado ao seu lado. Você provavelmente diria: “Este elefante existe.” Você pode descrevê-lo como um objeto tridimensional, mas, o mais importante, é um “objeto tridimensional que existe”.


Por outro lado, imagine um elefante puramente tridimensional que aparece no cômodo por um instante: um momento seccionado da vida de um elefante existente, surgindo e desaparecendo como um fantasma. Esse elefante não existe realmente no sentido comum. Ele acontece. Ele ocorre.


Um elefante existente perdura ao longo do tempo, e o Espaço-Tempo cataloga cada momento de sua existência como uma linha de mundo quadridimensional, o qual remonta o caminho de um objeto através do espaço e do tempo ao longo de sua existência. O “elefante que ocorre” imaginário é apenas uma fatia espacial desse tubo, como um instante tridimensional.


Agora aplique essa distinção ao próprio Espaço-Tempo. O que significa dizer que o espaço-tempo quadridimensional existe, no mesmo sentido que o elefante existe? O espaço-tempo perdura no mesmo sentido? O espaço-tempo tem seu próprio conjunto de momentos? Vários “agoras” Ou o espaço-tempo, a variedade de todos os eventos que acontecem ao longo da eternidade, é meramente algo que ocorre? O espaço-tempo é simplesmente uma estrutura descritiva para relacionar esses eventos?


O eternalismo embaralha essa distinção. Ele trata toda a eternidade, isto é, todo o Espaço-Tempo, como uma estrutura existente e considera a passagem do tempo uma ilusão. Mas essa ilusão é impossível se todo o Espaço-Tempo ocorre em um piscar de olhos.


Para recuperar a ilusão de que o tempo passa dentro desse quadro, o Espaço-Tempo quadridimensional deve existir de uma maneira mais parecida com o elefante tridimensional que “existe”, aquele o qual a existência é descrita pelo Espaço-Tempo quadridimensional.


Todo e qualquer evento


Vamos levar esse raciocínio um passo adiante.


Se imaginarmos que todo evento ao longo da história do universo realmente “existe” dentro do universo em bloco, então podemos perguntar: quando o próprio bloco existe? Se ele não se desenrola nem muda, ele existe de forma atemporal? Se sim, então estamos acrescentando outra dimensão do tempo a algo que deveria ser atemporal no sentido literal.


Para dar sentido a isso, poderíamos construir uma estrutura de cinco dimensões, usando três dimensões espaciais e duas dimensões temporais. O segundo eixo do tempo nos permitiria dizer que o Espaço-Tempo quadridimensional existe exatamente da mesma forma que comumente pensamos em um elefante na sala existindo dentro das três dimensões do espaço que nos cercam, cujos eventos catalogamos como Espaço-Tempo quadridimensional.


Nesse ponto, estamos saindo da física estabelecida, que descreve o Espaço-Tempo apenas através de quatro dimensões. Mas isso revela um problema profundo: não temos uma maneira coerente de falar sobre o que significa para o Espaço-Tempo existir sem, acidentalmente, introduzir o tempo novamente por meio de uma dimensão adicional que não faz parte da física.


É como tentar descrever uma música que existe toda de uma vez, sem ser tocada, ouvida ou se desenrolar.



Da física à ficção


Essa confusão molda como imaginamos o tempo na ficção e na ciência popular.

No filme de 1984 de James Cameron, O Exterminador do Futuro, todos os eventos são tratados como fixos. A viagem no tempo é possível, mas a linha do tempo não pode ser alterada. Tudo já existe em um estado fixo e atemporal.


No quarto filme da franquia “Vingadores”, o “Vingadores: Ultimato” (2019), a viagem no tempo permite que os personagens alterem eventos passados e reformulem a linha do tempo, sugerindo um universo em bloco que tanto existe quanto muda.


Essa mudança só pode ocorrer se a linha do tempo quadridimensional existir da mesma forma que nosso mundo tridimensional existe.


Mas, independentemente de tal mudança ser possível, ambos os cenários assumem que o passado e o futuro estão lá e prontos para serem visitados. No entanto, nenhum lida com que tipo de existência isso implica, ou como o Espaço-Tempo difere de um mapa de eventos.


Compreendendo a realidade


Quando os físicos dizem que o Espaço-Tempo “existe”, eles geralmente trabalham dentro de um quadro que silenciosamente borrou a linha entre os conceitos de existência e ocorrência. O resultado é um modelo metafísico que, na melhor das hipóteses, carece de clareza e, na pior, obscurece a própria natureza da realidade.


Nada disso coloca em risco a teoria matemática da relatividade ou a ciência empírica que a confirma. As equações de Einstein ainda funcionam. Mas como interpretamos essas equações importa, especialmente quando isso molda como falamos sobre a realidade e como abordamos os problemas mais profundos da física.


Esses entendimentos incluem tentativas de reconciliar a relatividade geral com a teoria quântica, um desafio explorado tanto na filosofia quanto nas discussões de ciência popular.

Definir o Espaço-Tempo é mais do que um debate técnico, trata-se de que tipo de mundo pensamos que estamos vivendo.


Fornecido por The Conversation



Artigo encontrado no site da agência de divulgação científica estadunidense Phys.org  (originalmente publicado em 25/08/2025)

Link para acesso ao original: https://phys.org/news/2025-08-space.html

 
 
 

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