Como os cientistas descobriram que a Via Láctea é uma galáxia espiral?
- marcocenturion
- há 18 horas
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"Determinar a forma da Via Láctea por dentro é uma tarefa semelhante a tentar entender a arquitetura de uma catedral gigantesca estando dentro dela, sem poder sair para ver o exterior"
Notícia
Texto de divulgação científica da agência https://dzen.ru/thespaceway
Traduzido por Marco Centurion
Se você, estando longe das luzes da cidade e voltar seu olhar para o céu noturno, verá uma majestosa faixa luminosa cruzando a abóbada celeste, trata-se da Via Láctea, nossa galáxia, vista de perfil. Estando no braço de Órion, observamos outros braços espirais: na direção da constelação de Sagitário, vemos o centro da Via Láctea e na direção oposta, o braço de Perseu. Bilhões de estrelas distantes se fundem em um fluxo cintilante, criando um dos espetáculos mais fascinantes, capaz de tocar até mesmo os corações mais indiferentes.

Mas como os astrônomos determinaram que a Via Láctea tem uma estrutura espiral, se estamos dentro dela e não conseguimos vê-la por completo?
As Primeiras Suspeitas
A história começa na primeira metade do século XX, quando o astrônomo holandês Cornelis Easton propôs uma hipótese revolucionária para a época: a de que a Via Láctea poderia ter uma estrutura espiral. Essa ideia surgiu no contexto da "Grande Controvérsia" na astronomia, um debate fundamental sobre a escala do Universo. Até a década de 1920, predominava a visão de que a Via Láctea era o Universo inteiro, e as nebulosas espirais, incluindo a de Andrômeda, eram consideradas apenas nuvens de gás dentro da nossa Galáxia.
Easton, ao observar nebulosas espirais, sugeriu que, se esses objetos tinham estrutura espiral, então talvez a nossa Via Láctea também fosse organizada de forma semelhante. Foi uma demonstração notável do pensamento científico, especialmente considerando a escassez de dados observacionais na época.

Determinar a forma da Via Láctea por dentro é uma tarefa semelhante a tentar entender a arquitetura de uma catedral gigantesca estando dentro dela, sem poder sair para ver o exterior. Milhares de astrônomos de diferentes partes do mundo reuniram, com muito esforço, fragmentos desse quebra-cabeça para, juntos, revelar a verdadeira estrutura do nosso lar estelar.
O Método chamado "Cartógrafo Cósmico"
Um dos métodos-chave que permitiram estabelecer a estrutura espiral da Via Láctea foi o mapeamento de diferentes objetos na Galáxia. Isso se assemelha ao trabalho dos geólogos, que estudam estruturas subterrâneas com base em sinais indiretos, já que não podem vê-las diretamente.
Aglomerados estelares e Cefeidas
Os astrônomos descobriram que certos tipos de aglomerados estelares e estrelas especiais chamadas Cefeidas* (cujo brilho varia com uma periodicidade conhecida) se concentram ao longo de linhas curvas específicas no espaço. Essas linhas correspondem aos braços espirais. As Cefeidas são particularmente valiosas, pois com base no período de sua pulsação (as variações regulares de brilho) é possível determinar com precisão sua luminosidade real e, portanto, sua distância, permitindo então construir um mapa tridimensional.
*Estrelas Cefeidas são estrelas gigantes ou supergigantes amarelas, cerca de entre 4 a 15 vezes mais massivas que o Sol e de 100 a 30.000 vezes mais brilhante que a nossa estrela. A luminosidade desse tipo de estrela pode variar de 0,1 a 2 magnitudes em um período bem definido. Elas pertencem a classe de estrela variável pulsante e ocupa a chamada "faixa de instabilidade" do diagrama de Hertzsprung-Russel, ou seja, mais para o topo do diagrama, seguindo pelo eixo das magnitudes absolutas (vertical).
Regiões de formação estelar
Nos braços espirais, ocorre a compressão do gás interestelar devido a ondas gravitacionais de densidade, o que desencadeia a formação de novas estrelas. Por isso, estrelas jovens e quentes das classes espectrais O e B, bem como nebulosas de emissão brilhantes, indicam claramente a estrutura espiral. Assim como flores desabrocham ao longo de margens de rios, as estrelas jovens “desabrocham” ao longo dos braços espirais.

Nuvens de gás interestelar e máseres moleculares
Os radioastrônomos, ao estudar a distribuição de hidrogênio neutro e nuvens moleculares, descobriram que essas estruturas também formam padrões espirais. Um papel especial foi desempenhado pela descoberta dos máseres*, que são regiões onde moléculas de gás interestelar amplificam a radiação de rádio, de maneira semelhante ao funcionamento de um laser. Os máseres, associados às regiões de formação estelar, alinham-se claramente ao longo dos braços espirais, confirmando sua existência.
*Maser é uma sigla fala Microwave Amplification by Stimulated Emission of Radiation (Amplificação de MIcroondas, por Emissão de Radiação Estimulada)
A soma de todos esses dados construiu um quadro convincente da Via Láctea como uma galáxia espiral, onde a matéria não está distribuída de forma caótica, mas organizada em estruturas espirais bem definidas.
Um olhar infravermelho
O avanço decisivo ocorreu em 2005, quando o telescópio espacial infravermelho Spitzer, da NASA, conseguiu “enxergar” através das densas nuvens de poeira cósmica que bloqueiam a luz visível.
As observações do Spitzer não apenas confirmaram a estrutura espiral da Via Láctea, como também revelaram um detalhe importante: a presença de uma barra no centro da Galáxia. Isso permitiu classificar a Via Láctea como uma galáxia espiral barrada do tipo SBbc*.
*As galáxias são classificadas conforme um esquema proposto por Edwin Hubble, que divide em 2 tipos principais como Galáxias Espirais regulares (S) e Galáxias Espiral-Barradas (SB) e 1 subdivisão (a) com núcleo maior, braços pequenos e bem enrolados; (b) núcleo e braços intermediários; e (c) núcleo menor, braços grandes e mais abertos. A Via Láctea estaria em um intermédio entre o "b" e o "c", por isso a classificação SBbc.
Barra, ou bar, é uma estrutura alongada de estrelas que atravessa o centro galáctico. Ela se assemelha a uma espécie de “ponte” conectando os braços espirais. A barra desempenha um papel importante na evolução da galáxia, direcionando gás das regiões externas para o centro, sustentando a formação de novas estrelas e alimentando o buraco negro supermassivo no núcleo. Aproximadamente dois terços de todas as galáxias espirais do Universo possuem uma barra, o que torna a Via Láctea um exemplo típico desse tipo galáctico.

Os retoques finais
Graças aos dados obtidos com o telescópio espacial Gaia, da ESA, cuja missão foi concluída em 15 de janeiro de 2025, foi criado um mapa tridimensional da Via Láctea. Não há mais dúvidas de que nossa Galáxia é espiral.
Os dados do Gaia serão estudados por décadas, o que significa que os cientistas continuarão a refinar o posicionamento e a estrutura dos braços, bem como as características da barra galáctica.
Artigo encontrado em dzen.ru (originalmente publicado em 27/05/2025)
Link para acesso ao original: https://dzen.ru/a/aDUlqJn3OnpfyNox
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